A vivência com o processo de adoção e a experiência da adoção tardia. E uma memória que não tem como ser apagada: a das crianças que ficaram no abrigo quando fui buscar meu filho.

Julho de 2015*. Após mais de três anos esperando por um filho, finalmente o meu, tão desejado, chegou. O perfil da criança que escolhi era considerado um dos mais abertos, mas nem por isso a demora foi razoável – eu aceitava irmãos de até cinco anos, independente de sexo, de qualquer lugar do Brasil. Isso mesmo, a família que adota pode selecionar uma série de critérios como idade, sexo, cor, doenças e histórico familiar. E, dependendo do perfil escolhido, o tempo de espera pode ser maior ou menor.

A audiência final aconteceu numa tarde de segunda-feira. Depois de horas intermináveis com advogado, juiz, promotor, conselheiros tutelares, psicólogas, assistentes sociais e toda a equipe técnica do fórum, fomos buscar meu filho, Bruno*, com quatro anos, direto no abrigo.

Até hoje não sei dizer se essa decisão foi acertada ou não. Alguns juízes fariam todo esse processo no fórum. Eu tive que presenciar uma despedida dramática que o abrigo organizou para o Bruno. No final, várias crianças estavam aos prantos e agarradas em nós, pedindo para levá-las junto.

Do ponto de vista emocional, tanto para mim quanto para meu filho, qualquer psicólogo entenderá esse episódio como um momento traumático. Por outro lado, a memória dessa cena, deu o start para um sonho antigo, de criar uma ONG. Daí, para a ideia do Instituto Geração Amanhã foi um passo.

Vivi o pior e o melhor dos mundos em todas as áreas. Falando das óbvias, estão o longo tempo de espera, o burocrático e embolado processo jurídico, a difícil adaptação do Bruno à nova vida, o total desconhecimento de seu histórico médico e psicológico. Mas também passei por momentos lindos e memoráveis. Na hora da despedida do abrigo, a primeira pergunta do Bruno foi “vamos para casa?”. Não tem como esquecer, não é mesmo?

Conheci profissionais da equipe técnica e jurídica que mostraram ineficiência, despreparo e displicência no mais elevado grau. E tive, não por acaso, a oportunidade de conhecer algumas das pessoas mais altruístas, dedicadas e comprometidas: a psicóloga, o juiz, o promotor e suas assistentes afetivas e preocupadas com “o príncipe”, que era como chamavam Bruno. Gente que queria acertar e acelerar o processo, porque achava que aquele menino já tinha sofrido, em apenas quatros anos, o que muita gente não vivenciou em toda a existência.

E, por uma daquelas coincidências que acredito serem predestinadas, tive o privilégio de conhecer o dr. Sérgio Luiz Kreuz. Este juiz paranaense, sem eu saber, orientou o caso de Bruno* e foi decisivo para que o processo de adoção do meu filho acontecesse.

O dr. Sérgio é, sem dúvida, um dos juízes mais engajados e mais atuantes na causa da adoção e do Acolhimento Familiar no Brasil. Seu programa de Família Acolhedora de Cascavel é o maior da América Latina e uma referência internacional. Em nossas longas conversas, conheci o Acolhimento Familiar e várias questões começaram a fazer sentido para mim.

Graças a esses “dois lados da história” que vivi na prática, a semente de uma organização sem fins lucrativos foi tomando forma. Afinal, por que não existiam informações sérias e aprofundadas disponíveis sobre a adoção e a adaptação em casos de adoção tardia?  Por que demora tanto para adotar? Por que existem Varas da Infância e Juventude que mal se mexem, enquanto outras são recordistas em adoções e acolhimento familiar? Por que o acolhimento institucional é o mais utilizado no Brasil, embora a lei diga que o Acolhimento Familiar é prioritário? Por que há profissionais que tratam o processo de forma humanizada e uma maioria que pouco se importa com o futuro de cada uma dessas crianças?

Como tenho como modus operandi ir fundo no que me proponho, comecei um périplo de conversas com advogados, juízes, promotores, psicólogos, neurologistas e médicos. A ideia inicial foi entender meu próprio processo de adaptação e o do Bruno. E, claro, reverter os déficits que ele apresentava em várias áreas.

Ouvindo alguns dos nossos melhores profissionais e pesquisando como países desenvolvidos tratam a questão, o Instituto Geração Amanhã chegou ao formato atual. Uma instituição sem fins lucrativos, que tem como missão promover e incentivar a adoção e o acolhimento familiar no Brasil. Esta, uma alternativa amplamente utilizada na Europa e nos Estados Unidos, mas ainda pouco difundida por aqui.

Para criar o Instituto, partimos do princípio de que não existe mudança sem conscientização. E que tudo depende, em essência, de informação e ação. Estamos aqui para isso. E contamos com sua ajuda para divulgar e compartilhar essa ideia.

Sandra Sobral é Presidente do Instituto Geração Amanhã e mãe de um garotinho lindo e muito esperto.

*As datas e o nome são fictícios. 

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