Quando uma criança ou adolescente é afastado de sua família biológica e vai para uma instituição, família acolhedora ou quando é adotado, uma vida nova e diferente se inicia. E, para eles, esta fase pode ser assustadora e difícil de entender. Uma das ferramentas para dar um novo significado a essa transição é ajudá-los a entender, respeitar e valorizar sua própria história.

As diretrizes atuais da assistência social e da psicologia são enfáticas em reforçar que essa história tem que ser contada e valorizada. Mas sabemos que, por falta de orientação, ainda é comum abrigos que não fazem nenhum registro da passagem da criança por lá. E famílias adotivas que não recebem nenhuma informação ou até mesmo escondem a história de seus filhos.

“Buscar as origens é uma necessidade que o ser humano tem de se constituir enquanto sujeito completo e pleno. Estamos sempre em busca de nos entender para poder seguir adiante e nos fortalecer”, explica Angélica Gomes da Silva, doutora em serviço social e técnica do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sobre o tempo da criança.

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Registrar a história da criança junto com ela é fundamental.

A história nas adoções

Para as adoções, Angélica dá exemplos singelos e comoventes, para preservar a beleza de um momento que não pode se perder. “Acolher essa história enquanto família por adoção é acolher o filho por inteiro e respeitar o que ele traz, por mais que nos pareça algo feio e triste. Ter uma caixa bonita pra guardar as memórias é importante, nem que seja um bichinho sujo, um bico de chupeta velha, um pedacinho do cabelo de quando chegou, um pedacinho da unha. Pode parecer algo muito pequeno, mas a criança gosta de rememorar. Mesmo que ela não queira e não consiga fazer isso agora, em algum momento se ela quiser a gente tem pra mostrar: ‘é isso que eu tenho, essa certidão de origem, esse é um desenho que você trouxe, essa é a roupa com que você veio, essa é a foto do dia em que você chegou’… Essa é a história da criança, com coisas muito difíceis, mas muito bonitas também”.  

Quanto às passagens traumáticas que a criança viveu, a prática ensina que “varrer pra baixo do tapete” também não funciona. São marcas que podem e devem ser trabalhadas através da construção do afeto e dos laços com a nova família.

“Buscar as origens é uma necessidade que o ser humano tem de se constituir enquanto sujeito completo e pleno”.

Angélica Gomes da Silva

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Trabalhar com a criança as marcas que ela traz, através do afeto e compreensão.

 

É preciso bom senso e sensibilidade para ir revelando aos poucos o que se sabe, à medida que a criança tenha idade para compreender e processar suas memórias. Um atendimento psicológico, o quanto antes, ajuda muito. Conforme a criança vai crescendo, é natural que surjam questionamentos sobre a família e perguntas do tipo “por que me abandonaram, por que não me quiseram?”. Antes de tudo, é preciso reconhecer a validade dessas perguntas. Uma resposta verdadeira para a situação é “seus pais não conseguiram cuidar de você”. Julgar os pais biológicos reforça ainda mais a sensação de abandono e de revolta.

Em resumo, o filho que vem pela via da adoção, traz uma bagagem que deve ser acolhida pelos pais e discutida com tranquilidade, abraçando suas aflições e elaborando os traumas. Isso ajuda a desenvolver vínculos, uma relação de confiança, segurança e apego, que por sua vez permite que a criança se abra, enriquecendo a relação e, consequentemente, sua estrutura emocional, para o resto da vida.

Nossa história é o que nos constitui.

A história nos acolhimentos

E como fazer com os meninos e meninas que estão em situação de acolhimento, seja nos abrigos ou com famílias acolhedoras? Como respeitar e valorizar as histórias dessas crianças? Existem  várias sugestões, desde propostas mais estruturadas e muito legais como Fazendo Minha História, até dicas mais simples, como ir registrando em um caderno o que acontece com a criança, seus gostos, preferências alimentares, suas manias, rotinas, os amigos, datas importantes e por aí vai. Se a criança for maiorzinha, recomenda-se que esse registro seja construído junto com ela. Esses momentos inclusive ajudam a criança a expressar sua individualidade, que muitas vezes se perde no dia-a-dia das instituições.

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Conviver respeitando e valorizando a criança e sua história.

 

Também pode-se construir uma “Caixa de Memórias”. Basta uma simples caixa, que pode ser encapada, enfeitada, feita junto com a criança. Lá, vai se colocando tudo: desde mechas de cabelo, aquela roupa preferida, o brinquedo adorado, o pano do cheirinho, fotos, desenhos, pedrinhas e coisas que a criança coleciona, o caderno ou livro de memórias.

Não importa a forma. A ideia é que esse registro, feito através do livro e/ou da caixa, acompanhe a criança por toda a sua vida, quando ela voltar para sua família de origem ou for para adoção… ou quando crescer.

Em todos os casos, qualquer que seja a idade da criança, é preciso ter em mente que não há como “zerar” a história que elas trazem – e tampouco se deve. As memórias de crianças e adolescentes com lacunas e traumas, vividos na infância ou provocados pelo afastamento de suas famílias biológicas, mudanças de abrigos e adoções malsucedidas, devem ser trabalhadas e ressignificadas, a ponto de se preservar a história, mas não as suas dores.

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