Dr. Sérgio Luiz Kreuz*, juiz que criou o maior programa de Acolhimento Familiar da América Latina, em Cascavel (PR), fala sobre as vantagens do Acolhimento Familiar, em comparação com o institucional.

Todos sabemos que nem todas as crianças e adolescentes que são acolhidos serão devolvidos às suas famílias de origem, embora esta seja a primeira solução a ser buscada. Quando não se viabiliza a reintegração familiar ou a inserção em família extensa, a adoção deve ser buscada, tentada, sem preconceitos, uma vez que esta é uma forma de garantir às crianças um direito essencial ao seu desenvolvimento, o direito a ter uma família.

Infelizmente, há um número enorme de crianças e adolescentes que não retornarão aos familiares biológicos e também não encontrarão pretendentes à sua adoção. Especialmente para estes, o princípio constitucional da convivência familiar, na maioria dos casos, não passará de mera retórica. A Constituição Brasileira, em seu artigo 227, assegura “que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito (…) à convivência familiar”.

A Convenção dos Direitos da Criança estabelece que “a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em ambiente de felicidade, amor e compreensão”.

Não bastasse isso, a Lei 12.010/09, que alterou o ECA (art. 19, § 2º) estabelece que “a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de dois (dois) anos”.

Dentro desta perspectiva legal, é necessário encontrar alternativas para que nenhuma criança ou adolescente cresça e se torne adulto sem uma experiência de convivência familiar.

O Acolhimento Familiar, portanto, coloca-se dentro deste contexto de viabilizar a crianças e adolescentes, quando afastados de suas famílias de origem, de terem condições de desenvolvimento em uma família.

O Estado e a sociedade, quando inserem a criança numa instituição de acolhimento, estão violando o princípio constitucional da convivência familiar. Toda criança e adolescente tem direito ao convívio com uma família, preferencialmente, a natural, não sendo possível nesta, na família extensa e, não sendo possível na família extensa ou natural, na família adotiva.

E quando nenhuma destas é viável? Estará ela condenada a viver e crescer numa instituição, em flagrante violação ao princípio constitucional do direito à convivência familiar? É preciso, portanto, encontrar alternativas para garantir, mesmo para aquelas crianças e adolescentes que não terão a oportunidade de retornar ao convívio da família natural e nem a oportunidade da adoção, a efetividade deste direito tão fundamental ao desenvolvimento de qualquer pessoa.

Uma destas alternativas, sem dúvida alguma, pode estar nos programas de Acolhimento Familiar. No Brasil, infelizmente, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente, com as alterações introduzidas pela Lei 12.010, de 2009, tenha elevado esse tipo de acolhimento ao grau de “preferencial” (art. 34, § 1º, do ECA), os dados estatísticos revelam que os acolhimentos institucionais, na prática, ainda superam em muito os acolhimentos familiares.

O Acolhimento Familiar tem-se mostrado eficiente no cumprimento de uma pluralidade de objetivos: como acolhimento cautelar, ou seja, nas hipóteses em que ainda não se tem a certeza se a criança ou adolescente voltará para a família biológica, extensa ou se será encaminhado para adoção; como meio de preparação para adoção e, finalmente, como medida de proteção, quando inviável o retorno à família de origem ou a adoção.

Poderíamos, então, classificar o Acolhimento Familiar em simples (quando se busca a reinserção familiar), pré-adotivo (como meio de preparação para adoção) e permanente (para as hipóteses em que a reinserção familiar se tornou inviável e não há pretendentes à adoção).

Com estas constatações a equipe técnica tem condições de selecionar melhor as famílias, bem como promover a melhor indicação possível para as crianças e adolescentes a serem inseridas no programa. Nos casos de Acolhimento Familiar simples (ou cautelar) e também nos acolhimentos pré-adotivos, o acolhimento será temporário, muitas vezes por pouco tempo. Enquanto que no acolhimento permanente, as crianças ou adolescentes, muito provavelmente, permanecerão na família acolhedora por muito tempo, quase sempre até completarem a maioridade.

O Acolhimento Familiar ainda permite, com maior facilidade, que crianças e adolescentes, quando isto for recomendável, mantenham os vínculos com a família biológica, com visitas e contatos mais flexíveis, mais próximas. A própria família acolhedora pode ser chamada a exercer importante função no restabelecimento destes vínculos, seu fortalecimento, bem como auxiliar na reintegração familiar.

A maior vantagem, no entanto, e é por isso que o programa é diferenciado, preferencial, é a possibilidade da criança ou o adolescente ter um atendimento individualizado, a possibilidade de viver num referencial de família organizada, estruturada, harmônica, o que muito provavelmente não teve na sua família de origem. É a oportunidade de criar vínculos afetivos, o que raramente é possível nas unidades de acolhimento, onde as separações são constantes, não só dos cuidadores, mas também dos próprios colegas.

Em conclusão, podemos dizer que o Acolhimento Familiar, embora excepcional, além de atender ao princípio constitucional do direito à convivência familiar, deveria merecer de todos nós, a preferência naquelas situações dramáticas em que uma criança ou um adolescente precisa ser afastado de sua família natural. Pelo menos, os prejuízos emocionais e psicológicos poderiam ser reduzidos drasticamente se abandonássemos o superado modelo dos acolhimentos institucionais.

* Dr. Sérgio Luiz Kreuz é Mestre em Direito das Relações Sociais (UFPR), juiz da Corregedoria Geral de Justiça, do Tribunal de Justiça do Paraná é, sem dúvida, a maior autoridade no Brasil em Acolhimento Familiar. Ele criou e esteve à frente até o ano passado do maior programa de Acolhimento Familiar da América Latina, em Cascavel (PR). É autor do livro “Direito à Convivência Familiar da Criança e do Adolescente: Direitos Fundamentais, Princípios Constitucionais e Alternativas ao Acolhimento Institucional” (Ed. Juruá)

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