A Câmara dos Deputados disponibilizou no início de novembro em seu canal no Youtube um vídeo com relatos e reflexões de diversas pessoas envolvidas diretamente nos processos de adoção no Brasil, entre profissionais, especialistas em direito e família, adotantes e o relato com as consequências para quem deveria ter sido adotado, mas infelizmente não foi. Por que os processos são tão burocráticos? Por que as crianças muitas vezes chegam à maioridade vivendo dentro das instituições? Como tornar os processos de adoção mais rápidos e seguros no Brasil? Essas são algumas das questões que buscam ser respondidas no vídeo e que abordamos no texto a seguir.
Quando falamos sobre tudo o que envolve o universo da adoção e do acolhimento familiar, devemos ter sempre em mente o primordial: atender os interesses da criança e do adolescente e protegê-los. O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – que contém toda a base teórica sobre os direitos dessa parcela importante da população e os deveres que temos para com elas – completou 31 anos, mas infelizmente muita coisa fica, ainda, somente na teoria. Na prática, a implantação das leis ainda fica muita aquém, o que acaba deixando a criança e o adolescente que estão acolhidos em constante insegurança emocional, enquanto sua situação não é resolvida, ou seja, enquanto não se decide se retornam à família ou se vão para adoção.
Na adoção, as prioridades previstas na lei ainda não acontecem na prática.
Alguns trâmites e decisões acabam por atrasar ainda mais os processos de adoção e o futuro das crianças e adolescentes. Um deles é a possibilidade de reintegração à família de origem ou colocação em família extensa, que precisa ser trabalhada, com cuidado, sensibilidade e muito apoio. Mas, muitas vezes não há sucesso nessa reintegração e essas idas e vindas atrasa o processo como um todo, sem falar nos prejuízos morais, emocionais e mesmo físicos, para as crianças ou adolescentes envolvidos.
A destituição do poder familiar é condição para que ocorra a adoção e a criança vá viver com uma nova família – a demora nos processos de destituição é uma das responsáveis por manter as crianças institucionalizadas por mais tempo. Nesse sentido, antes de decidir para onde ela irá, é preciso ouvi-la, se ela já tiver condições de discernir, escutar o que ela prefere para a própria vida, tendo assim voz ativa para definir seu futuro.
Ivânia Ghesti, Gerente de Projetos da Área de Infância e Juventude do CNJ, explica em um trecho do vídeo que não temos no Brasil varas exclusivas de infância em todas as capitais. Além de demorar, a decisão de destituir a criança de sua família de origem muitas vezes ocorre sem o apoio das equipes psicossociais que realizam os estudos fundamentais para a realização do processo.
O tempo de permanência nas instituições também é um velho conhecido de todos que lidam com adoção. A criança permanece na instituição de acolhimento um tempo muito maior que o necessário – por lei, o prazo máximo é de 18 meses –, às vezes saindo somente ao atingir a maioridade, sem estrutura alguma para o mundo real que a aguarda. A institucionalização, sobretudo na Primeira Infância, tem uma série de efeitos nocivos para o desenvolvimento, pois por melhor que seja a instituição, ela não é capaz de substituir um lar e uma família. Daí a importância fundamental da ampliação dos serviços de família acolhedora.
Pela lei, a criança deve permanecer em instituição por no máximo 18 meses. No Brasil, os processos de adoção duram em média cinco anos.
É preciso garantir os fluxos para que etapas do processo ocorram no tempo certo. O Sistema Nacional de Adoção (SNA), do CNJ, atualmente tem um alerta eletrônico que avisa ao juiz quando o processo está parado e ultrapassou os prazos, literalmente um chamado de atenção. O curso preparatório, requisito obrigatório para os pretendentes e um dos primeiros passos para quem quer adotar, também demora a ocorrer em muitos lugares. Ou seja, a lentidão e o despreparo no processo começam desde o início. O ECA traz muitos direitos e deveres que, apesar de constarem na teoria, não funcionam na prática. A rede ainda é frágil, por isso precisamos de mais varas especializadas em infância e juventude com um olhar sensível para a criança e o adolescente.
Por outro lado, a sociedade também tem sua parcela de responsabilidade e muito a fazer. Velhos e infelizes hábitos conhecidos persistem, como as adoções diretas ou a “adoção à brasileira”, quando se registra ilegalmente uma criança em cartório como sendo filho biológico sem que ela tenha sido concebida como tal – esse procedimento é considerado crime previsto pelo Código Penal. Tudo isso prejudica o prazo das adoções e os pretendentes que aguardam legalmente na fila.
Além disso, temos a questão do perfil buscado pelos pretendentes. Atualmente, o perfil mais buscado são meninas brancas, com menos de três anos de idade. Ou seja, fora do perfil desejado pela maioria dos pretendentes que espera pela adoção. É uma preferência que atende os interesses e desejos dos pretendentes, limitando as chances de quem aguarda para ser adotado.
Apesar de haver muito mais famílias interessadas em adotar do que crianças e adolescentes disponíveis para adoção, a conta segue sem fechar.
A adoção pode não acontecer, sobretudo nos casos de crianças com mais idade, especiais e grupos de irmãos. Infelizmente a liberdade da escolha do perfil acaba prejudicando alguns processos, mas os cursos de preparo para adoção, o contato com famílias que já adotaram e as experiências adquiridas pelo caminho, felizmente vêm ampliando o leque dos pretendentes, abrindo sua mente para perfis diferentes.
A criança também investe no vínculo, a criança também nos adota!
A família acolhedora tem se mostrado uma opção para que a criança e o adolescente, que estão em situação de vulnerabilidade e precisam ser afastados de suas famílias, tenham seus direitos à convivência familiar e comunitária garantidos.
O Judiciário e o Ministério Público precisam ter um olhar prioritário para a vida da criança, que não pode esperar dois, três, cinco anos para encontrar uma família. Uma das alternativas tem sido a busca ativa na adoção, que procura unir pretendentes e crianças que não conseguiram ser adotados pelo SNA de forma mais ágil, através da divulgação de imagens, vídeos e da história da criança, com todo o respeito e cuidado.
A lei é clara e trabalhamos para que seja instituída na prática. Para que todas as crianças e adolescentes tenham condições de crescer e viver em família. E quando não for possível em suas próprias famílias, que tenham sua situação resolvida o quanto antes e possam ter assegurados seus direitos. Que as adoções sejam seguras, para sempre e centradas no melhor interesse da criança.
Assista ao vídeo completo da matéria, disponível no Youtube!