Vamos falar de um tema extremamente importante para quem pretende se candidatar ou mesmo para quem já está na fila para se tornar pai e mãe pela via da adoção: o preparo para a nova realidade. O IGA conversou com Sara Vargas, Presidente da ANGAAD – Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, e ela explica a importância do preparo e os cuidados que necessários nessa fase. Confira também o vídeo sobre o tema.

IGA: No preparo para a adoção, o que deve ser levado em conta em relação à criança ou adolescente que fará parte da família?

Sara Vargas: A preparação adequada, tanto para aquele que vai adotar quanto para a criança ou adolescente que vai ser adotado, é de extrema importância. Muitas vezes nós achamos que ser pai e mãe é algo natural – e em parte realmente é –, mas quando falamos da adoção de crianças e adolescentes, é preciso levar em conta que eles chegam com uma história, com uma “mochila nas costas”. E nós, enquanto pais também temos a nossa história, nossos ideais e expectativas. Isso tudo precisa ser bem trabalhado, porque essa criança é uma criança real, ela não é o fruto do nosso ideal. O ideal é importante para a construção do desejo, pois não existe desejo se não houver ideal antes dele, mas nós precisamos ter equilíbrio entre família ideal e a família real.

É preciso levar em consideração que a história da criança adotiva, na maioria das vezes não é uma história linda, e que tem momentos difíceis. Mesmo que tenha sido uma entrega legal, antes disso houve uma gestação, que quase sempre vem acompanhada de situações críticas, como o uso de drogas ou álcool durante a gestação, ou violência contra a gestante, ou pode ter sido uma gestação não desejada, fruto de alguma situação abusiva. E o bebê recebe essas informações, mesmo dentro da barriga da mãe. Isso tudo vai deixando marcas. Então mesmo quando adotamos um bebê, essa criança já vai chegar com uma história. E nós temos que nos preparar para lidar com a história dessa criança. Leia mais sobre os Primeiros Mil Dias da criança.

Estudos mostram que os traumas que são vividos de forma tóxica na Primeira Infância trazem impactos em todo o seu desenvolvimento, a nível cerebral, biológico no relacionamento e na cognição, com dificuldades de aprendizagem que a criança vai expressar por meio do seu comportamento. O comportamento inadequado nem sempre é fruto do desejo da criança.

Leia mais sobre o estresse tóxico e os princípios da Primeira Infância.

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Preparo para adoção: é preciso levar em consideração a história da criança que chega à família.

IGA: Como é possível entender melhor a realidade da criança que está chegando e agir corretamente?

Sara: É comum acharmos que se a criança realmente quiser se comportar bem ela consegue, mas não é bem assim. Na verdade, ela foi criando uma postura de sobrevivência devido às situações traumáticas que viveu, então essa criança está sempre em estado de alerta. É o que acontece por exemplo, quando estamos em perigo. Nesse momento, nossa parte lógica do cérebro meio que se “desliga” e não sabemos como agir diante de uma situação de muita pressão, como um assalto à mão armada. Até imaginamos como vamos agir, mas só saberemos de fato quando nos encontrarmos naquela situação. Vivendo em estado de alerta constante, é como se o tempo todo a parte lógica do cérebro dessas crianças estivesse “desligando”, e por isso elas apresentam com frequência comportamentos inadequados.

A boa notícia é que traumas que são gerados por meio de relacionamentos são curados com novos relacionamentos. É a grande beleza da adoção.

É o que chamamos de “atitude adotiva”, que tanto pode acontecer com a família adotiva quanto por meio da família extensa, uma avó ou um tio que vai adotar essa criança e adolescente. Mas todos precisam ser igualmente bem preparados e receber suporte para aprender a decifrar essas mensagens que estão por trás do comportamento da criança, promovendo um relacionamento adequado entre ambos. O afeto é fundamental.

O preparo adequado para quem vai adotar é de extrema importância, pois nos leva ao encontro da criança real, nos tornando mais sensíveis à história e à realidade dela e nos ajuda a olhar com coração de pai e mãe para sua necessidade. Durante esse preparo, também recebemos informações a respeito do processo jurídico, o que baixa um pouco nosso nível de ansiedade e nos dá ferramentas para acompanharmos adequadamente o processo.

O preparo também ajuda a lidar com as dificuldades que podemos encontrar na sociedade, pois ainda há muita resistência e preconceito. Mas, uma vez que nos sentimos preparados, sabemos como lidar melhor e nos preparamos para lutar pela criança e não contra a criança.

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Preparo para os pais: informações e acompanhamento a respeito do processo jurídico ajudam a diminuir a ansiedade.

IGA: Quais cuidados devemos tomar no cuidado com a criança ou adolescente que foi vítima de abuso ou violência?

Sara: Muitas vezes os pais se desesperam devido ao comportamento do filho e sem perceber acabam entrando numa disputa de poder com eles. O preparo adequado ajuda a perceber qual é a real necessidade da criança, que muitas vezes está sendo expressa por meio de um comportamento inadequado, mas no fundo o que ela mostra é que está com medo, insegura, não consegue prever o que vai acontecer. Como essa falta de controle já lhe trouxe danos no passado, quem garante a ela que dessa vez não vai sofrer novamente? Então nós precisamos ter paciência e perseverança para ajudarmos os nossos filhos a trilharem este caminho.

Quando conseguimos nos autorregular, tendo mais controle emocional nesse relacionamento, também vamos ensinando os nossos filhos a se regularem emocionalmente. Mas para isso a gente precisa da rede de apoio, do preparo adequado.

É claro que o preparo da criança e do adolescente também é essencial. Se a criança tem uma idade que permite compreensão do que está acontecendo, ela precisa ser devidamente preparada, com condições de apoio para elaborar os lutos e perdas significativas que já teve na sua vida: perdas da família biológica, perdas por não ter sua identidade respeitada, por não ter seu valor devidamente atribuído, sem falar nas perdas por situações de abuso, violência e negligência, que foram graves. Ela precisa elaborar esse luto para ter mais condições de confiar no adulto, pois a referência que ela tem é que os adultos são perigosos.

A criança pensa: por que agora eu vou ter que confiar nesse adulto? Só porque ele quer me adotar, quem me garante que ele vai ser bom? Agora tem essa casa onde tudo é diferente, tudo é legal, tem comida gostosa, brinquedos, passeios…mas quem me garante que isso realmente é bom? E quem me garante que isso não vai acabar? OBS: leia sobre a crise da vinculação na adoção tardia em nosso blog.

Ao longo dessa caminhada, muitas vezes os pais vão ter que aprender a decifrar o que que funciona e o que não funciona com seu filho adotivo, pois quando perdemos a paciência e elevamos um pouco o tom de voz, transportamos novamente a criança para aquele lugar de perigo. Então temos que aprender a nos relacionar de uma forma diferente, pensando duas vezes sobre a melhor maneira de repreender sem ferir.

Uma questão importante a quem já tem filhos ou mesmo sobrinhos como referência de relacionamento com outras crianças é buscar um olhar novo sobre a questão.

 Aquilo que funcionou com crianças que já nasceram no ambiente seguro da família não necessariamente vai funcionar com a criança que chega à família pela via da adoção.

Por exemplo, talvez eu colocasse meu filho para pensar em algo incorreto que ele fez, enviando-o para o quarto e avisando que daqui a cinco minutos conversaremos sobre o ocorrido. Para uma criança que já passou por algum tipo de abuso ou violência, esse é o lugar do abandono, quando na verdade o que eu preciso é trazê-la para perto. Isso é muito desafiador para nós, pois somos seres humano e também temos que lidar com nossas próprias emoções e histórias. Então esse preparo, tanto da criança quanto do adulto adotante, é extremamente importante.

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A Presidente da ANGAAD – Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, Sara Vargas.

IGA: Como a ANGAAD funciona e qual seu papel com os Grupos de Apoio à Adoção?

Sara: A ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção reúne mais de 170 Grupos de Apoio à Adoção (GAAs) em todo o território nacional, o que ainda é muito pouco se nós pensarmos no número de municípios que temos no país. Estamos abertos a apoiar quem queira começar novos grupos de apoio, basta entrar em contato com a ANGAAD e nós vamos dar todo o suporte. O trabalho dos Grupos de Apoio a Adoção é de extrema importância, pois eles são parceiros desta rede de proteção da criança e do adolescente, no sentido de preparar a família adotiva e dar suporte no pós-adoção.

Os grupos têm a teoria e a prática, com famílias que já vivenciaram isso tudo. Porque há momentos em tudo que os pais precisam é de um abraço e uma mensagem do tipo “Calma, eu conheço esse lugar, eu já estive aí. Calma que isso vai passar”. Isso traz esperança, pois quando ouvimos as histórias dos outros, nos alimentamos de esperança, fé e coragem para prosseguir.

Os GAAs são constituídos por pessoas muito dedicadas à causa da adoção, que têm estudado e se preparado para cooperar com todo o corpo técnico e toda a rede na preparação das famílias, na preparação da criança e do adolescente e também no acompanhamento pós-adoção e em projetos que apoiam essa criança durante o período de acolhimento. Mas se você não teve um preparo adequado para a adoção onde mora ou está tendo dificuldade em encontrar um acompanhamento adequado, um grupo de apoio na sua cidade, acesse o site da ANGAAD e entre em contato. Quem sabe não começamos algo juntos?

 

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