A Dra. em Psicologia Experimental e Mestre em Direito, Caroline Buosi Vellasco, estudou profundamente o Serviço de Acolhimento Familiar de Cascavel, PR, durante cinco anos, para fazer sua tese de doutorado pela PUC-São Paulo. Sua tese resultou em um “manual” de como capacitar famílias acolhedoras, com orientação sobre o conteúdo, métodos mais adequados para lidar com os acolhidos, práticas educativas parentais e até mesmo o formato para obter mais efetividade na capacitação. O objetivo final é tornar o acolhimento o mais humanizado e benéfico possível. Indispensável para quem trabalha com acolhimento familiar e até mesmo como guia de conduta para as famílias acolhedoras.

Caroline Buosi: Não existe um número grande de publicações sobre capacitação de famílias acolhedoras. O que temos para nos embasar e efetivamente usar como aprimoramento são estudos de práticas educativas parentais, que são pesquisadas há pelo menos 35 anos, e também análises de comportamento.

Precisamos aproximar as famílias acolhedoras de práticas educativas parentais. O que é muito fácil, porque não existem grandes mudanças práticas ao ensinar famílias acolhedoras ou pais a terem práticas educativas mais positivas e mais saudáveis. Então buscamos em parte nos embasar nos estudos que já tínhamos, nos estudos americanos sobre foster care, e desenvolvemos um Programa de Capacitação para Famílias Acolhedoras, além de uma cartilha para que todos possam usar para estudos, pois esses conceitos precisam sair da academia e ir para a aplicação prática.

O IGA publicou um ebook gratuito com um manual completo e com informações fáceis de entender sobre acolhimento familiar. Para baixar, clique aqui.

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Por que é preciso capacitar as famílias acolhedoras? Por que precisamos ter esse olhar?

Porque temos uma demanda muito específica dos acolhidos. É muito difícil você chegar numa casa, com práticas educativas e modelos vigentes e com uma determinada cultura, e readaptar as pessoas que vivem lá. Até que essa readaptação ocorra, há uma série de parâmetros. Então, precisamos ajudar essa família na adaptação do acolhido, no momento em que ele chega em sua nova casa. E o que fazer para facilitar? Às vezes o acolhido já veio de outras famílias, com outras regras, com outras vivências. Então precisamos, sempre respeitando a cultura da família – pois não vamos mudar a cultura dela, sua religião, seus compromissos, a maneira como vivem – ajudar para que essas regras sejam sempre adaptadas à chegada e inserção da criança ou adolescente no novo lar.

Os familiares precisam saber o que é ser família acolhedora, quais são seus diretos e deveres e como contar com a equipe técnica. Tudo isso faz parte do programa de capacitação.

Expectativas x realidade

Quem tem experiência com o acolhimento familiar e com a capacitação das famílias acolhedoras percebe que muitas vezes essas famílias chegam com uma visão distante da prática. Percebemos que essa visão vai se transformando ao longo da capacitação, até que no final do processo constroem uma ideia muito mais realista sobre o que é ser família acolhedora, além da necessidade de criar um ambiente de afeto. E é aí que voltamos ao “nó da família acolhedora”.

Precisamos sim criar vínculo, desde que seja saudável e positivo. Não como uma maneira de segurar a criança dentro de casa, mas ao contrário, para libertá-la, para que ela possa voltar à sua família de origem ou ser adotada, provida da segurança e do afeto que recebeu no acolhimento familiar.

Em psicologia, há o que chamamos de práticas adequadas e inadequadas. Enquanto prática educativa inadequada temos:

  • o uso da privação como coerção: proibir a criança de fazer determinada coisa;
  • os reforçadores negativos;
  • a ameaça de punição.

Isso é tradicional enquanto prática inadequada. E já conhecemos os subprodutos dessa coerção: o medo, a ansiedade, as fobias, a agressividade quando o indivíduo está encurralado em uma situação adversa. Sabemos enquanto pais, educadores e cuidadores o quanto é difícil nos livrarmos desse modelo, mas procuramos capacitar as famílias acolhedoras de acordo com as práticas educativas positivas, para que ocorra cada vez mais esse tipo de postura. E as práticas positivas consistem justamente na substituição do uso de controle aversivo pelo reforço positivo, ou seja, a extinção do comportamento inadequado.

Sabemos, com base em estudos, que não é possível alterar o comportamento disruptivo de uma criança ou adolescente se não prepararmos a família para lidar com esse tipo de comportamento.

Então, temos aqui uma responsabilidade e o momento de dividir as tarefas. Além da criança, que será orientada quando demonstrar um comportamento inadequado, há a responsabilidade da família na mudança desse comportamento.  Temos visto que a capacitação com ênfase em instrução verbal, falando o que deve ser feito, atinge pessoas com instrução verbal mais avançada. Mas quando trabalhamos com pessoas com grau acadêmico um pouco mais baixo, percebemos que a maneira mais efetiva de capacitação não é a verbal, mas sim aquela realizada através das habilidades práticas: dramatizações, filmes, vídeos, discussões sobre o que se assistiu. Isso faz com que tenhamos mais qualidade de comportamentos positivos como resultado da capacitação. É claro que isso vai depender da estrutura da equipe e da possibilidade de realizar o serviço, mas é importante conhecer essa realidade para adaptá-la às particularidades de cada serviço.

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Outra prática de ensino que traz resultado e que está entre as mais comuns na psicologia é o contrato de contingência, ou seja, a possibilidade de combinar algo e posteriormente quando aquilo for encontrado na vivência, atingido pela criança ou adolescente, valorizar aquele comportamento de alguma forma.

Temos também o videofeedback, um método muito efetivo, que consiste em filmar partes da interação entre família e criança, e depois mostrar para a família para que ela se dê conta do que está fazendo e do que pode melhorar. Já a videomodelação consiste em mostrar pequenas vinhetas, trechos de comportamento que encontramos em outros locais, e trabalhar em como reagir àquela situação.

Por fim, temos o ensaio comportamental, que é a dramatização, a vivência, simular uma situação e fazer com que o indivíduo a experencie ao vivo. O que você faria agora se a situação fosse essa? A pessoa age perante a situação e você, como capacitador, avalia e orienta.

Sabemos que esses últimos métodos, que são essencialmente individualizados, dão muito resultado. Depois que aplicamos essas técnicas, o resultado e a evolução da capacitação deu um salto muito grande. Claro que dentro de um programa com 150, 180 famílias acolhedoras isso se torna um pouco mais complexo, mas sabemos que há muitos programas de famílias acolhedoras começando, com 4, 5 famílias, em que isso é muito possível, pois o número reduzido permite uma capacitação ainda mais eficaz.

O estudo na prática

Para o estudo, contamos com a participação de cinco cuidadoras com suas crianças acolhidas – com idades entre 6 e 9 anos – para o grupo experimental, e mais cinco no grupo de controle, para avaliar os resultados. Ou seja, cinco participaram e cinco não participaram, e isso nos permitiu verificar se o padrão comportamental continuava o mesmo ou estava sendo alterado por algum fator externo.

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Para a pesquisa, escolhemos algumas situações específicas para estudo: os acolhidos deveriam ter um comportamento-problema. As famílias foram submetidas ao inventário de estilos parentais (IEP) e o resultado foi que apresentavam um padrão de risco, ou seja, quando tinham comportamentos inadequados no cuidado com essa criança. Então nos preocupamos em ter realmente famílias com fatores a serem melhorados. Quando falamos em posturas inadequadas, isso não significa necessariamente um comportamento agressivo, mas sim a falta de interação suficiente, o que também não é positivo.

Quando a família só observa, sem interagir, isso também não é positivo. E são justamente essas interações positivas que precisamos ensinar às famílias acolhedoras.

Essas famílias, quando pesquisadas, nunca haviam sido capacitadas de fato, a não ser uma breve capacitação anos antes, ainda sem o formato atual. E claro, tinham que aceitar que filmássemos seus lares, seu dia a dia.  O IEP é um inventário com uma série de perguntas que aplicamos para fazer uma seleção de como são as práticas educativas dentro de determinada família. Isso ainda é muito superficial para que possamos fazer uma análise completa, mas já nos traz alguns dados. E essas famílias capacitadas apresentaram efetivamente comportamentos de risco nesse inventário.

Foram realizados encontros em grupo e encontros individuais com cada família, com 2h de duração, sempre no período noturno, contando com uma equipe de apoio mais extensa durante a tese para ficar junto à criança, e emitimos certificação após a qualificação. Surgiram vários temas como por exemplo quais as principais tarefas, como estabelecer regras, como fazer um reforço diferencial, um reforço contingente, análise de filmes, etc. O salto nos níveis de capacitação dos participantes antes e após o estudo é extremamente perceptível. Com uma das participantes, após seis meses verificamos novamente e os níveis de interação ainda continuavam altos.

Ou seja…

Sabemos que tanto a capacitação em grupo quanto a capacitação individual melhoraram os resultados, e que na capacitação individual os resultados são muito mais intensos. A junção de ambas constitui um trabalho eficaz, amparado pelas técnicas utilizadas, como o vídeo feedback, o mais efetivo para a capacitação inicial. Precisamos respeitar as limitações de cada realidade, mas tendo em mente o modelo ideal de capacitação, devemos nos aproximar ao máximo dele. As dinâmicas podem ser visualizadas em detalhes no estudo completo e replicadas à realidade de cada caso, uma vez que verificamos a eficácia dos resultados.

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